Debater que o aborto não é eticamente lícito sempre foi um daqueles temas que afastam as pessoas numa roda de conversa, seja por medo, remorso ou desinteresse puro e simples. Sabe aquele papo que, quando iniciado, faz as pessoas se levantarem da mesa, o famoso “espalha roda”, pois é… Eu sou um desses que, apesar de um convicto defensor da vida desde a concepção, não gostava muito de debater a temática ao ar livre até pouco tempo atrás. Porém, assim como Nelson Rodrigues, nesse assunto, eu me assumo como um “ex-covarde”. Deixe-me, então, falar sobre o que muitos não gostam de falar… E não, isso não é minha culpa, é culpa do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Câmara dos Deputados.
Antes de mais nada, faço memória aqui a alguns corajosos que tocaram nessa mácula ética do Ocidente moderno, principalmente para não ar a imagem presunçosa de que sou a voz solitária que clama no deserto. Francisco Razzo e seu competente livro Contra o Aborto, Bernard Nathanson — um dos maiores médicos abortistas do EUA que se tornou ferrenho crítico do aborto — e seu ótimo A mão de Deus: O Ex-Rei do Aborto Fala da Própria Vida, e o menosprezado livro, mas um dos melhores para os libertários abortistas, O Argumento contra o Aborto, do igualmente libertário senador norte-americano, Ron Paul, são algumas obras sobre o assunto que destaco e indico. Não posso deixar de citar outro livro, esse de cunho historiográfico extremamente bem feito, o História do Aborto, da historiadora italiana Giulia Galeotti.
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Pois bem, mas como estava dizendo, depois de muito fugir do tema — como é praxe em minha vida —, mergulhei de cabeça em debates com os defensores do aborto depois de ser provocado uma ou duas vezes apenas. Destaco que também li alguns livros de defensores da pauta para me situar da profundidade argumentativa dos defensores, cito dois como exemplo:
- Domínio da vida: Aborto, Eutanásia e Liberdades Individuais, de Ronald Dworkin; e
- Gravidez Indesejada: o mais extenso estudo americano sobre as consequências de ter ou não o ao aborto, de Diana Greene Foster.
No primeiro, encontramos argumentos filosóficos e jurídicos tentando convencer-nos de que a liberdade de abortar e a de praticar a eutanásia inevitavelmente serão um avanço para qualquer democracia futura e estão atrelados ao princípio de liberdade individual ocidental. No segundo, a pesquisadora afirma que os argumentos cristãos de que a extrema maioria das mulheres que abortaram sofre social e psicologicamente depois de praticarem o aborto, não a de mentira estatística, que a maioria das mulheres pesquisadas por ela se encontram felizes e em melhor estágio social e psicológico após abortarem.
Todavia, acredito que, antes das divagações sobre um mundo domado pelo mercadão de mortes de não nascidos e dos que desistiram de viver, além da satisfação social das que praticam o aborto numa manhã tranquila de primavera, devemos olhar para a questão sob uma análise da coisa em si mesma — eis minha veia filosófica pulsando aqui. O que é o aborto, afinal?
Argumentos em relação ao aborto

Para responder a isso, devemos focar, por primazia, no núcleo dos argumentos de ambos os lados, num canto temos os “pró-vida”, que defendem que a dignidade da vida, desde a concepção, é válida tal como a de qualquer outra pessoa da sociedade, do rei ao plebeu. Noutro corner, temos os “pró-aborto”, que defendem que a grávida tem o direito de escolher se deve ou não levar a gestação adiante, independentemente do que seja o aglomerado de células em seu útero.
O que escurece o debate, na minha visão, são duas coisas:
- o religiosismo e sentimentalismo exacerbados de alguns “pró-vida” que derramam uma teologia grossa sobre a questão do aborto fazendo o assunto migrar de um problema ético e médico para um terreno abstrato e emocional; e
- a retórica conscientemente distorcida daqueles que defendem o aborto, tentando ancorar o direito de abortar à libertação feminina na sociedade.
Enquanto que o aborto, no final das contas, é uma questão mais pragmática e eticamente fácil se nos detivermos ao ponto-chave da discussão: devemos ou não permitir a interrupção de uma vida no ventre materno pelo simples fato de escolha da mãe?
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Debates sobre “onde a vida começa”, ou se, em casos onde a gravidez se revela mortal à mãe, ela deve ou não ter o direito de abortar, parecem-me cíclicos e feitos para afastar a questão central do debate. Sendo a origem da vida amplamente defendida desde a concepção pelos principais e mais neutros embriologistas, logicamente a vida humana não é um pedaço corpóreo, ou um funcionamento elétrico cerebral apenas, é um conjunto biológico que tem seu único start possível na concepção.
“A liberdade de matar alguém em troca de uma suposta ‘liberdade’ social e pessoal utilitária me parece um dos argumentos mais bizarros já formulados na modernidade”
Pedro Henrique Alves
Em muitos debates dos quais participei, os “pró-aborto” eram completamente sinceros nesse aspecto, aceitando de bom tom que tentativas de definir num momento temporal, ou de desenvolvimento fetal, onde está a vida, são argumentos fantásticos e pouco científicos. No caso de risco à mãe, por sua via, parece-me que a escolha ética recai, aí sim, sobre a mãe e seus conselheiros médicos, psicológicos e familiares, a escolha ética aqui não se dá no mero “querer”, mas numa questão de vida ou morte onde uma escolha deve ser feita para que uma das vidas seja salva, mas, reparem, aceita-se que são essencialmente vidas.
Bebês e casos de estupro

No que tange ao tom geral do debate, e com “geral” quero dizer explicitamente “político”, o tema gira em torno da liberdade individual da mulher sobre o seu corpo. É aí que a desfaçatez e as distorções retóricas entram no baile. Primeiro de tudo, o feto não é a mãe, a mãe não é o feto. O ser em seu útero é dependente da mãe, mas é também um ser diferente da mãe. Há uma dependência de nutrição e cuidado, mas, de muitas maneiras, aquele feto é autônomo e digno de ser considerado já um ser humano como qualquer outro.
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Segundamente, a liberdade de matar alguém em troca de uma suposta “liberdade” social e pessoal utilitária me parece um dos argumentos mais bizarros já formulados na modernidade. Ora, partindo da verdade de que um feto é vida, autorizar alguém a matá-lo, só porque essa pessoa não quer a responsabilidade, peso ou preocupação de ser mãe ou pai, soa-me tão ancestral, bárbaro, quanto inacreditável nos dias atuais. Pior ainda é dizer fazê-lo em nome da “liberdade feminina”.
“Se, no final das contas, o feto gerado não tem de culpa nisso [estupro], por que deveria ser ele o penalizado com a pena de morte">STF, diz a mesma coisa?
A dignidade da vida humana é o pilar primevo de qualquer sociedade minimamente ordeira e livre, e se maculamos isso, no fim, só sobrará retalhos e escombros. Escombros de uma sociedade eticamente falida, retalhos de seres humanos moralmente apodrecidos.
O autor tem razão. A principal questão é ética. Relativizar o valor da vida caminha na direção da eugenia, da eliminação dos inúteis ou menos valiosos. No nazismo foi assim. Mas há outros exemplos.
Os textos do Pedro sempre valem a pena.
PARABÉNS!!!!!!
Um dos melhores textos que li nesta revista.
Lógica cristalina e, que me tenha chamado a atenção, apenas um erro de digitação.
Um único adendo: o abortamento, em caso de risco de vida para a mãe, muitas vezes não é uma escolha entre uma vida ou outra mas, simplesmente, a opção entre salvar uma vida ou perder duas.
De novo: PARABÉNS!!!!!!
O aborto é assassinato de indefeso. Só se justificaria com o risco de morte para mãe se a gravidez seguir adiante.. E no caso de estupro apenas consentido na primeira semana de gestação. Ponto final. A mulher que promover o aborto fora as situações descritas bem como aqueles que favorecerem ou participarem do ato serão acusados de homicídio e ter uma pena de 30 anos de cadeia sem regalias alguma.. Os estupradores devem ser castrados quimicamente e terem uma pena de 30 anos de cadeia sem direito a nenhum benefício. O aborto é o mais cruel tipo de homicídio pois assassina o mais indefeso dos seres humanos. Esta é minha opinião pessoal.!
Creio que o assunto merece debates extensos e profundos, principalmente no que tange às gestações resultantes de estupro, talvez priorizando a intervenção nas primeiras semanas após a concepção. E nos casos de risco materno e de fetos com graves más-formações a possibilidade de se permitir o aborto deve ser debatida e considerada. Nos demais casos, em que a opção de abortar se dê por mera vontade da gestante, deve ser em minha opinião, sumariamente proibido.
Concordo plenamente.!