O brasileiro precisa de paciência. A Radial Leste está travada. Como sempre. Mas nas suas margens, a vida flui.
Tudo começa numa borracharia. É com rodas que se atravessa o Brasil real. De carro, carroça ou bicicleta. Ao lado, um galpão de ferragens, concreto e latas empilhadas. Uma loja hidráulica exibe canos coloridos como se fossem brinquedos. Acima do pontilhão, um céu plúmbeo, meio azul, meio chumbo. Indeciso e bonito, como o país.
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Surgem condomínios de prédios, que marcam o horizonte. Parecem encostar nas nuvens. Brancos, com toques verdes, querendo ser Miami, mas sem disfarçar a sujeira aos pés, tendas precárias, gente dormindo enrolada em cobertores gastos.
Surge a Rua João Tobias como uma das muitas travessas que criam novos mundos, se nos desviarmos para suas trilhas acinzentadas.
Na travessia principal, as marcas se misturam. Grandes lojas de comércio tentam se impor. Yadea (scooters elétricas), Optom Vision (óculos caros). Outras lojas sucumbiram a reformas que parecem que nunca vão acabar. Bem cara de Brasil.
Nos trechos das calçadas mais movimentados, olhares angustiados de quem espera por algo que não vem. Num estacionamento, um saco plástico gira no vento como se dançasse para ninguém.
Grafites exibem cores. Pichações indicam abandono. O movimento logo leva os olhares para o muro de uma escola de educação de jovens e adultos que tenta chamar atenção. Busca superar a pressa e o esquecimento de todos que am e de tudo que a rodeia.
Logo depois, apresentam-se quarteirões inteiros em preparo de novas construções gigantescas. O longo tapume que as cerca serve como uma despedida para os que am. De lá, não mais poderão ver ao fundo a infinitude do céu.
Surge, então, o maior arranha-céu da zona leste. Moderno e triste como uma haste sem bandeira. A cidade quer crescer, não sabe para onde. A presença do PCC, por lá, se mistura à dos cidadãos de bem. Parte da região é cliente fiel. Um comércio paralelo abastece desejos que o Estado ignora.
Miami. Não a dos Estados Unidos, mas a brasileira: prédios modernos, fachadas de vidro, salões com nomes em inglês, consultórios alugados por hora. Uma tentativa de importar um sonho que deu certo.
Cada uma das estações do metrô acumula pessoas aglomeradas, subindo as escadarias, paradas no ponto de ônibus. Pelas manhãs, tardes e noites.
Uma exótica construção informa que ali é o Shopping dos Óculos. Com um formato moderno, não esconde um certo desgaste entre vigas pretas e vermelhas. Tenta vender visão para um povo que sonha enxergar uma luz no fim da radial.
Avenida Melo Freire. Pichação com desenho de ET. A ferrovia ao lado esquerdo carrega o peso de um tempo que enferrujou. Um lava-rápido empurra espuma e barro para a calçada.
Na Vila Carrão, os terrenos ainda têm árvores. Estão cercados de arames farpados. Ameaçados por prédios baixos e quiosques de comida. Algumas praças estão bem cuidadas, mas logo ao lado, o lixo as desmente.
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Casas pequenas, um veterinário, um dentista, anúncios de vendas de lotes. Sinais de sobrevivência. Pequenos prédios com lojinhas na base lutam contra o abandono. Uma escola de gastronomia chamada Lês Chefs insinua um ar de interior.
Mais à frente, a paisagem da metrópole se rende. Casas de alvenaria sem acabamento. Tijolos nus. Encostas cortadas por terra batida e mato. Lixo acumulado. Galpões silenciosos. A ferrovia enferrujada segue sua trilha por trás da mureta à esquerda.
É o Brasil que borbulha seus conflitos a cada esquina. Lojinhas resistem em Artur Alvim. Ainda assim. Uma farmácia, um açougue, uma papelaria. No barzinho, barbudos e deslocados tomam a gelada no balcão.
Fim da rota. Como uma nave que pousou, ergue-se a Neo Química Arena. Uma arena de Copa, vizinha de barracos. Um estádio que quis ser símbolo de ascensão. Mas não se desfez da imagem de contraste. Brasil, gigante adormecido em Itaquera. Lá, ele se espreguiça, tenta acordar.
Lá, a Seleção Brasileira, símbolo maior da nação, também tenta renascer. Agora comandada por um italiano, Ancelotti. Recorremos a um estrangeiro. Para conduzir aquilo que mais nos orgulhávamos de ser nosso. Será que ainda temos jeito?
Os holofotes iluminam o céu como um espetáculo de teatro. Eles realçam o encanto. São vislumbres de otimismo. Parecem a luz no fim da radial. Chegada ou primeiro o? Vencemos o Paraguai.
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