Na medicina, muito se avançou desde a época em que as “bolinhas” — pílulas à base de anfetaminas — eram utilizadas para combater a obesidade. Em 2011, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a venda de parte dos medicamentos inibidores de apetite no país. Estudos mostraram que o uso de anfetamina aumenta o risco de problemas cardiovasculares em pacientes com fatores de risco. Além disso, efeitos colaterais como insônia, euforia excessiva e o alto risco de dependência faziam com que os pacientes abandonassem o tratamento. A sibutramina, no entanto, foi poupada do veto da Anvisa e segue como opção para quem busca perder peso.
A chegada de medicamentos mais modernos e efetivos ao mercado abre caminho para o tratamento dessa condição crônica que afeta mais de 1 bilhão de pessoas no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde. O Atlas 2023 da Federação Mundial da Obesidade prevê que 51% da população mundial, ou mais de 4 bilhões de pessoas, serão obesas ou terão sobrepeso nos próximos 12 anos.

Livrar-se dos quilos extras é um processo complexo, e nem sempre a combinação de tratamento, dieta e exercício físico surte o resultado desejado. “Não emagrece quem quer”, diz a endocrinologista Keila Paranaíba Pinheiro. A pesquisa Action Io, conduzida por Ian Caterson, professor da Universidade de Sydney, na Austrália, mostra que um obeso médio a por, pelo menos, quatro tentativas frustradas de emagrecer na vida. “Recebo pacientes envergonhados, que chegam ao consultório achando que não têm mais jeito. Não é só força de vontade, é técnica”, explica a médica.
Dentre as alternativas, as medicações se tornam um atalho para quem quer perder peso mais rapidamente. A corrida por um remédio que seja recomendado por médicos contra a obesidade acelerou. Não é para menos. Segundo alguns dos principais bancos de investimento dos Estados Unidos, trata-se de um mercado que pode chegar a US$ 100 bilhões (R$ 500 bilhões) até 2030.
No mês ado, a farmacêutica Merkel promoveu o lançamento nacional do Contrave, uma droga que combina duas substâncias em um comprimido: a naltrexona e a bupropiona. Juntas, elas atuam no cérebro reduzindo o apetite e cortando o desejo intenso por comida. A medicação age no sistema nervoso central do paciente tanto no controle da fome fisiológica quanto da fome emocional, quando a pessoa come como forma de recompensa ou para lidar com as emoções. De acordo com o fabricante, um estudo clínico mostra que pacientes que completaram 56 semanas de tratamento com Contrave, associado à mudança no estilo de vida, perderam em média 11,5% do peso corporal. A medicação, aprovada pela Anvisa, já foi lançada em 34 países europeus, nos Estados Unidos e em outros países da América do Sul, como Chile, Peru, Colômbia e Equador.

Uma droga descoberta quase que por acaso caiu nas graças dos brasileiros acima do peso há algum tempo. O Ozempic faz parte da nova geração de remédios desenvolvidos para regular a glicose em diabéticos, que sofrem com excesso de açúcar na corrente sanguínea. Usado de maneira off-label (“fora da bula”) contra a obesidade, o princípio ativo do Ozempic é a semaglutida – uma forma sintética do hormônio GLP-1, que age na regulação do apetite e na redução do ritmo de esvaziamento do estômago, aumentando, assim, a duração da sensação de saciedade. Entre os efeitos colaterais estão alterações gastrointestinais como náuseas, diarreia, vômitos, constipação e dores abdominais. Em janeiro deste ano, a Anvisa aprovou o Wegovy, da farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk, com capacidade de reduzir até 17% do peso corporal em menos de um ano. Na prática, o princípio ativo do Wegovy é o mesmo do Ozempic — a semaglutida — e funciona da mesma maneira, só que agora em uma dosagem maior (2,4 miligramas) e com indicação na bula para tratar a obesidade. O Wegovy deve chegar ao Brasil no segundo semestre deste ano.
Há muito tempo a obesidade deixou de ser uma questão relacionada à estética. Em 1948, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considerou a obesidade uma doença crônica, definida pelo acúmulo anormal ou excessivo de gordura no corpo
Outra substância que promete bons resultados, ainda em fase de testes, é a tirzepatida. No ano ado, a farmacêutica americana Eli Lilly divulgou o resultado do estudo de um novo medicamento capaz de reduzir em mais de 20% o peso de obesos durante um ensaio clínico que durou 72 semanas. A fórmula atua no sistema nervoso central, junto aos hormônios GIP e GLP-1, importantes na regulação do apetite e dos níveis de glicose. Se considerarmos que as medicações disponíveis hoje reduzem o peso entre 10% e 15%, uma promessa de diminuição de peso acima de 20% representaria um avanço. Mas, calma. As agências reguladoras, como a americana Food and Drug istration, equivalente à Anvisa nos Estados Unidos, ainda precisam aprovar a nova droga para que ela possa estar disponível nas prateleiras. Ainda não há previsão de chegada da medicação ao Brasil.

O que é a obesidade?
Há muito tempo a obesidade deixou de ser uma questão relacionada à estética. Em 1948, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considerou a obesidade uma doença crônica, definida pelo acúmulo anormal ou excessivo de gordura no corpo. Uma pessoa é considerada obesa quando seu índice de massa corporal (IMC) é igual ou superior a 30 quilos por metro quadrado, ou com sobrepeso quando seu IMC está acima de 25 (o número é calculado dividindo-se o peso de uma pessoa em quilogramas por sua altura em metros ao quadrado). Já em 2013, as sociedades médicas ampliaram a determinação da OMS para definir a obesidade como uma doença crônica, inflamatória, progressiva e recidivante (ou seja, que pode voltar, dependendo dos hábitos da pessoa). Por isso ela é, acima de tudo, uma questão de saúde e precisa de tratamento.

Mas parece que nem toda a comunidade científica concorda com isso. Cientistas de pelo menos duas universidades da Irlanda pedem que a obesidade troque de nome para evitar o estigma da condição. Os especialistas sugerem que a doença seja rebatizada de “desregulação crônica do apetite” para encorajar aqueles com sintomas a buscar tratamento. Eles criticam o uso do IMC para definir a obesidade e acreditam que o excesso de gordura por si só não é suficiente para ser considerado uma doença. “As pessoas que estão acima do peso e querem perder peso devem ser recebidas com compaixão e apoio”, diz Max Pemberton, psiquiatra e colunista do jornal britânico Daily Mail. “Mas podemos ser gentis e atenciosos com as pessoas que estão lutando sem alegar que têm uma doença. Assim como fumar não é considerado uma doença, a obesidade também não deve ser.”
A endocrinologista Keila Paranaíba Pinheiro defende o uso do IMC como referencial, mas não isoladamente, pois ele reflete pouco a composição do paciente. “Quando falamos em obesidade, estamos nos referindo ao tecido adiposo excedente, que é capaz de produzir substâncias inflamatórias e adoecer o paciente”, explica. “Uma jovem de 76 quilos e 1,70 metro pode ser considerada com sobrepeso pelo IMC, mas saudável caso tenha pouco tecido adiposo e mais tecido muscular por se exercitar com regularidade.” A médica pondera que o IMC pode ser utilizado combinado com outras referências, como a circunferência abdominal, que varia etnicamente, e exames como tomografia computadorizada e ressonância, para avaliar o tecido visceral.
Para Nelson Leme, presidente do Conselho Regional de Educação Física de São Paulo, proibir o uso do termo não vai resolver uma questão que é endêmica e multifatorial. “A modificação da nomenclatura para ‘desregulação crônica do apetite’ só vai criar mais empecilhos para falarmos cada vez mais sobre o assunto”, adverte Leme. “Essa desregulação é somente um dos inúmeros fatores desencadeantes da obesidade. A desregulação do balanço energético, pela falta de exercícios físicos, por fatores genéticos, entre outros, pode afetar a saúde do indivíduo e aumentar sua composição corporal de gordura.”
Por que perder peso e manter-se magro é tão difícil
“Basta fechar a boca e praticar atividade física.” É a fórmula manjada que todo mundo que busca emagrecer já ouviu na vida. Parece uma equação simples, mas se fosse tão fácil assim seis a cada dez brasileiros adultos não estariam com excesso de peso, segundo o IBGE. A obesidade tem diversas causas, entre elas a má alimentação, sedentarismo, questões emocionais, fatores genéticos e alterações hormonais e metabólicas. Muitas vezes a pessoa tenta emagrecer e não consegue. Ou emagrece e depois engorda tudo de novo. É por isso que a obesidade é considerada uma doença multifatorial e quem deseja emagrecer com saúde deve, sempre que possível, buscar um acompanhamento multidisciplinar. “A obesidade é a base de uma pirâmide que gera várias outras doenças”, explica a endocrinologista Claudia Cozer. “Vários pacientes que chegam ao meu consultório buscando emagrecer são encaminhados por cardiologistas, são pacientes diabéticos, com problemas ortopédicos gerados pelo excesso de peso, pacientes com tendência a trombose.”
Mudanças na alimentação são fundamentais para quem luta com a balança. Mas esqueça as dietas da moda — da lua, do sol, da água, da sopa. O processo de reeducação alimentar precisa ser sustentável, de preferência com acompanhamento profissional, e pensado no longo prazo para que a pessoa não enfrente o famoso “efeito sanfona”. “A manutenção do peso exige muito foco, já que nosso corpo tende a voltar para os hábitos antigos”, explica Leme. “As células de gordura [chamadas adipócitos] continuam ali sem estoque de gordura e, quando deixamos de gastar energia com exercícios físicos e continuamos consumindo muitos alimentos, desregulamos o balanço energético, e essas células voltam a estocar gordura.” Questões emocionais também afetam o percurso do emagrecimento. Pessoas que costumam descontar na comida a ansiedade, a tristeza e o estresse podem buscar um psicólogo ou psiquiatra para ajudar a lidar com a chamada “fome emocional”. A atividade física desempenha um papel essencial no emagrecimento e na manutenção do peso. Além de proporcionar um gasto calórico que ajuda na perda de gordura, o exercício físico contribui para controlar a glicemia (nível de açúcar no sangue) e a pressão arterial, reduzindo o risco de doenças como AVC, infarto e diabetes. Sem falar que o exercício libera endorfina e serotonina, neurotransmissores que dão sensação de prazer e bem-estar, reduzindo o estresse, a ansiedade e sintomas depressivos.
Além dessa combinação, que para alguns é um verdadeiro martírio, o próprio corpo da pessoa que está acima do peso começa a trabalhar “contra” o processo de emagrecimento. A ciência já demonstrou que hormônios desregulados podem interferir na fome. Um estudo recente publicado na Cell Metabolism identificou células cerebrais capazes de aumentar o apetite em pessoas obesas. Ou seja, o cérebro entra em um círculo vicioso, interrompendo a capacidade do corpo de equilibrar a entrada e o armazenamento de energia e gerando resistência à perda de peso. Em um estudo publicado na revista Cells Reports, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas mostraram como células de defesa — um tipo de linfócito T, conhecido pela sigla iNKT — estão ligadas ao ganho de peso. Por esses e outros tantos motivos, a medicação pode servir como forte aliada na jornada do emagrecimento. Desde que, claro, com acompanhamento médico. “A obesidade é uma doença difícil de tratar”, diz Keila. “Porque, além de ser multifatorial, requer que o profissional esteja ao lado do paciente para fazê-lo entender que as mudanças de estilo de vida são imprescindíveis. Os dois lados têm que estar envolvidos, caso contrário o tratamento não acontece.”
A batalha é difícil e cheia de tentações saborosas pelo caminho. A medicina avança para facilitar o percurso. Uma injeção ou uma pílula para perda de peso é o sonho de muita gente. Mas qualquer que seja a rota escolhida, a vontade e a disciplina do paciente são determinantes para o sucesso de qualquer tratamento. A onda de evitar o termo “obesidade” só ajuda a varrer para debaixo do tapete uma doença que contribui para a morte de 4 milhões de pessoas todos os anos, segundo números da ONU.

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Quando eu era criança pequena lá em Barbacena, e depois criança grande também, eu era bem magrinho mas era tão infeliz, só vivia com fome, então eu era doido pra ser bem gordão e não conseguia, a dieta era forçada
Assunto muito importante! Parabéns pela escolha do tema.