Fogo amigo

— As queimadas na Amazônia e no Pantanal voltaram com tudo.

— Fascistas!

— Não, agora quem toma conta disso é o pessoal que a gente botou lá. Quer dizer, que a gente ajudou a botar lá. Quer dizer, que a gente ajudou que fosse posto lá. Enfim, você entendeu.

— Entendi. Chato isso.

— Muito chato.

— Incêndio fora de hora.

— Totalmente.

— Tomara que e logo.

— É, tomara.

— Enquanto isso, o que que a gente faz?

— Videoclipe cantando e chorando não dá, né?

— Não.

— E se gravarmos um videoclipe cantando, chorando e acusando o governo anterior pelas queimadas de agora?

— Acho que não cola.

— Será? Hoje em dia tudo cola. Até atropelar a democracia em defesa da democracia cola.

— É. Mas incêndio pré-datado não vai colar.

— Tem razão. Que situação… O que a gente faz, então?

— Vamos ter que usar a criatividade.

— Isso a gente tem de sobra.

— Vamos precisar mais do que nunca.

— Acho que já estou tendo uma ideia.

— Manda.

— Por que esse preconceito contra o fogo?

— Preconceito?!

— Sim! O que seria da vida humana sem o fogo?

— Bem…

— Íamos ter que comer tudo cru!

— Mas…

— E morreríamos de frio!

— Isso é.

— E não teríamos como nos defender dos animais selvagens!

— Hein??

— Estou falando do homem das cavernas.

— Ah, tá.

— Ter preconceito contra o fogo é negar o salto para a civilização!

— Faz sentido. Será que podemos chamar os que criticam as queimadas de negacionistas?

— Perfeito! Você captou o espírito da coisa.

— Genial.

— O fogo é nosso amigo.

— Viva o fogo!

— Viva! Vamos juntar a galerinha pra fazer um vídeo?

— Um vídeo a favor das queimadas?

— É.

— Não sei. Acho que seria um pouco demais.

— Tem razão. Me empolguei.

— Mas nossos intelectuais poderiam fazer textos filosóficos sobre o fogo amigo.

— Aí acho que dá.

— Então vamos nessa.

— Tudo resolvido.

— E o que a gente faz com as queimadas em São Paulo?

— Tem floresta queimando em São Paulo?

— Tem.

— Fascistas!

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