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Edição 265

1 ano de ‘Outra Coisa’

'Minto que nem sinto. Eu digo que a inflação é culpa das mudanças climáticas, por exemplo'

— Uau! ou rápido, né?

— Pra mim foi uma eternidade.

— Por quê?

— Porque cansa.

— Ah, todo trabalho cansa.

— Mas esse cansa mais.

— O que ele tem de mais cansativo?

— São muitas coisas. Me cansa só de pensar em te explicar.

— Caramba. Tá cansado mesmo.

— Exausto.

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— Não pode dar só um exemplo?

— De quê?

— Disso aí que você diz que dá tanto cansaço. Nunca vi nem estivador reclamar tanto.

— Estiva é moleza perto do nosso trabalho. Um estivador cairia duro com meia hora de labuta na nossa bancada. E o nosso turno às vezes a de quatro horas.

— Olha… Eu gosto de desafio. Agora fiquei até curioso. Posso participar do programa?

— De jeito nenhum.

— Por quê? Eu não aguentaria?

— Você cairia duro com dois minutos no ar.

— Você não conhece o meu preparo físico. Já joguei futebol, corri maratona…

— Não adianta nada, querido. Estou falando de Outra Coisa.

— Mas o que tem de tão extenuante assim nesse diabo de trabalho? Estou perdendo a paciência.

— Normal. Eu já perdi a minha há muito tempo.

— Não parece.

— Eu sei que não parece.

— Qual é o segredo?

— Não tem segredo. Estou no estado de pós-impaciência.

— Pós-impaciência?! Que que é isso? Nunca ouvi falar.

— É uma espécie de calma inexorável, sucessiva à insustentabilidade do estado indócil.

— Eita. Isso aí tá parecendo palestra desses filósofos de plantão.

— Estou pensando até em dar um curso.

— Capaz de ganhar um troco.

— Pois é. Quem sabe faz. Quem não sabe ensina.

— Você não sabe?

— Nada.

— Como alguém pode se cansar tanto num trabalho onde não é preciso saber nada?

— É justamente esse o ponto.

— Poderia dar pelo menos uma pista, por obséquio, do que faz a sua atividade tão misteriosamente cansativa?

— Ok. Mas só se você prometer não ficar fazendo um monte de pergunta depois que eu falar.

— Prometo.

— Tá.

— Então fala, criatura! O que você faz no seu trabalho que é tão cansativo??

— Mentir.

— Hein?!

— Você prometeu não fazer perguntas.

— Mas… Explica direito pelo menos! O seu trabalho é MENTIR?

— Exatamente. Minto que nem sinto.

— Desculpe. Eu prometi não fazer perguntas. Mas me dá só um exemplo das mentiras que você conta no seu trabalho.

— Ah, eu digo que a inflação é culpa das mudanças climáticas, por exemplo.

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— Você diz isso?!

— Não só eu como meus colegas de bancada. Eles confirmam tudo.

— E vocês não ficam envergonhados? Não ficam vermelhos?

— Não. Estamos treinados. Por isso é que cansa tanto.

— Caramba… posso imaginar.

— Não pode, não. Só fazendo pra saber.

— Agora entendo por que você disse que eu não aguentaria.

— Já que você tá tão curioso, posso abrir uma exceção. Quer substituir o Gugu Dadá numa das viagens dele pra Europa?

— Obrigado. Não vou poder. Nesse período vou estar fazendo um curso bem na hora do programa.

— O programa é sábado à noite. E eu não te falei qual é o período.

— Tá vendo? Em cinco minutos de conversa com você já aprendi a mentir. Não preciso mais do teste. Tchau.

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5 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Parabéns Fiuza, Nivea, Adriana, e equipe.

  2. Wagner Darlan Antas de Almeida
    Wagner Darlan Antas de Almeida

    Parabéns. Ou será que vcs merecem outra coisa? Mas é salutar assistir ao programa. De outra coisa a gente se esquece. Das coisas que o consórcio torgados anda fazendo.

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