Economia não é um assunto fácil. Embora lidem com questões da vida diária — por exemplo, o dinheiro e o que ele consegue comprar —, as questões econômicas são apresentadas de forma abstrata demais e usando linguagem especializada. Com isso, a discussão sobre tópicos fundamentais ao nosso bem-estar e sobrevivência fica restrita a um pequeno círculo de iniciados. A maior parte dos políticos está fora desse círculo. Isso os leva, frequentemente, a tomar decisões bem-intencionadas, mas com resultados desastrosos.
Quando a intenção dos políticos é ruim, eles encontram à sua disposição uma série de mecanismos de difícil compreensão pelo público em geral. O uso da emissão excessiva de moeda — a inflação — é um desses mecanismos usados para a exploração política e econômica da sociedade. É um mecanismo sofisticado, protegido por uma enorme burocracia, uma linguagem técnica e um arcabouço jurídico impenetráveis aos leigos. É quase impossível para o cidadão comum compreender o que se a.
Mas fica ainda pior. A hegemonia da discussão sobre moeda foi conquistada por uma escola doutrinária — os keynesianos — que conseguiu convencer a mídia e os políticos de que inflação não só é um fenômeno inevitável como é também uma coisa boa. Essa escola de pensamento econômico argumenta que alguma inflação — aumento da quantidade de moeda com a consequente perda do valor de compra do dinheiro — é sempre necessária para que a economia se movimente, produza e gere empregos. Antes de tudo, essa é uma doutrina conveniente para o sistema político dominante no qual o Estado monopoliza a emissão de moeda por meio de um Banco Central e usa essa emissão para financiar gastos e déficits sempre crescentes. Mas não há nada de natural ou necessário em um processo permanente de aumento da quantidade e de redução do valor do dinheiro. Uma moeda estável não é prejudicial à economia, muito menos uma moeda que, eventualmente, aumente de valor com o ar do tempo.

A consequência principal desse pensamento pró-inflação é criar uma excelente justificativa para aquilo que o Estado faz de pior: cobrar um imposto brutal, universal e invisível por meio da perda de valor da moeda. O Estado faz enorme esforço para vestir essa espoliação com roupas científicas e morais. Os bancos centrais estabelecem metas de inflação. Por exemplo, para o ano de 2025 a meta de inflação do Brasil é de 4,5%. É lógico que a calibragem dessas metas é feita usando “índices de inflação” que apenas tentam, de forma extremamente imperfeita, capturar a variação de preços de uma cesta de produtos criada por burocratas. Como já vimos, isso não é inflação. O aumento dos preços é consequência da inflação. Inflação é o aumento da quantidade de dinheiro em circulação.
Mas qual é a razão para a existência de uma “meta de inflação”? Por que a meta não é zero? Por que não preservar integralmente o valor do dinheiro mantendo inalterada a quantidade de dinheiro em circulação? A resposta técnica é que o pavor de uma deflação leva o Banco Central a promover “um pouco” de inflação como uma medida de segurança; assim, ainda que ele erre na calibragem, não há risco da queda dos preços que caracteriza uma deflação. A resposta completa é que, como já vimos, a inflação transfere riqueza do cidadão para o Estado, que é o maior de todos os devedores.
Os teóricos da inflação justificam o permanente aumento do dinheiro em circulação dizendo que isso é necessário para acompanhar o aumento da produção de bens e serviços na economia. Essa é uma tarefa quase impossível. Primeiro, porque que é difícil prever quanto a economia vai crescer. Segundo, porque o Estado tem poder para exceder qualquer limite de inflação a ele imposto. Terceiro, porque não há uma razão clara para que a quantidade de dinheiro tenha que ser aumentada de forma proporcional ao crescimento da economia.
Se a economia crescesse, por exemplo, 10%, e a quantidade de dinheiro crescesse também exatamente 10%, em teoria todos os preços permaneceriam estáveis. Mas o que observamos é a desvalorização constante e permanente do dinheiro, com a subida de todos os preços, o tempo inteiro, em todos os países. Basta comparar o preço da maioria dos produtos 20 anos atrás com o preço de hoje. Ou seja: parece óbvio que as metas de inflação são, ao longo do tempo, consistentemente maiores do que as taxas de crescimento da economia. Mas vamos fazer um exercício de imaginação e pensar no que aconteceria se a economia crescesse 10% e a quantidade de dinheiro permanecesse a mesma. Na teoria, como houve um aumento de 10% na quantidade de produtos sendo vendidos enquanto a quantidade de dinheiro permaneceu a mesma, os produtos agora seriam trocados por uma quantidade menor de dinheiro. Ou seja: os preços cairiam. Isso se chama deflação, o oposto da inflação. A deflação parece ser claramente uma coisa boa.
Mas os defensores da inflação apresentam argumentos para dizer que deflação é um fenômeno prejudicial, que leva ao desemprego e à recessão. O principal argumento desses teóricos — de novo, os keynesianos — é o de que uma moeda que está sempre se valorizando levaria as pessoas a manter essa moeda guardada sem gastá-la em nada, o que jogaria a economia em recessão. Esses teóricos acreditam que “um pouco” de inflação é necessário para motivar os consumidores a consumir e investir. Nas economias desenvolvidas, esse “um pouco” de inflação — as metas de inflação — gira em torno de 2% ao ano. Como justificativa para esse argumento, os keynesianos apresentam a grande depressão de 1929 e o caso da economia japonesa na década de 1990.

É possível examinar esse argumento e contrapor a ele a lógica do nosso comportamento como consumidores. Qualquer que seja a situação da moeda, todo ser humano precisa gastar dinheiro para adquirir as coisas necessárias à sua sobrevivência, como comida, remédios, roupas, móveis, casas e carros. Imagine que os carros agora am a diminuir de preço um pouco a cada ano. É concebível que aquelas pessoas que trocam de carro a cada dois anos assem a trocar a cada três anos, quando os carros estariam ainda mais baratos. Mas também é concebível imaginar que elas não mudariam o seu comportamento. E mais: a queda constante de preço de carros poderia levar famílias que hoje só têm um carro a adquirir um carro extra. O mesmo argumento pode ser feito para a maioria dos produtos de consumo. Usando a linguagem técnica dos economistas: “A possibilidade de comprar bens mais baratos no futuro não faz com que as pessoas consumam menos no presente, porque a preferência temporal é sempre positiva, ou seja, as pessoas sempre preferem ter algo no presente do que ter essa coisa no futuro”.
Os garotos-propaganda da inflação geralmente afirmam que a grande depressão de 1929 teria sido causada, ou teve seus efeitos piorados, pela deflação. Mas a causa da crise de 1929 não foi a deflação, muito menos uma deflação provocada intencionalmente pelo Banco Central. Muitos apontam como origem da crise a Smoot-Hawley Tariff Act, uma lei que teria provocado um aumento brutal de tarifas e prejudicado o comércio internacional; outros apontam para a própria intervenção do governo americano no mercado, que não deixou que o mecanismo natural de ajuste da economia funcionasse. A fúria intervencionista do governo de Franklin Roosevelt foi tão forte que incluiu a Ordem Executiva nº 6.102, que proibia os americanos de possuir ouro. Todo o metal em mãos de cidadãos deveria obrigatoriamente ser vendido ao governo a um preço predeterminado.
O caso do Japão é mais complicado, mas também não foi resultado de um processo intencional de deflação provocado por uma redução na emissão de moeda. Na verdade, é justamente o contrário. A crise japonesa começou em 1989, quando estourou uma bolha especulativa criada pela valorização excessiva dos mercados de ações e imobiliário. O que causou essa valorização excessiva? Excesso de crédito. Em outras palavras: era muito fácil pegar dinheiro emprestado e comprar imóveis ou ações. Mas crédito excessivo é uma forma de aumentar a quantidade de dinheiro em circulação. Os Bancos Centrais permitem que os bancos comerciais emprestem um porcentual do dinheiro que eles receberam como depósitos. Dessa forma, o dinheiro que um cliente depositou no cofre do banco, e que teoricamente ainda está lá, está ao mesmo tempo também na conta — ou nas mãos — do cliente que pegou o empréstimo. Dinheiro novo foi criado. Esse poder que os bancos têm de criar dinheiro novo se chama multiplicador bancário. Essa injeção de dinheiro recém-criado tem, na economia, um efeito equivalente ao que várias doses de cachaça produzem em um indivíduo: inicialmente há uma euforia, seguida de uma amarga ressaca. O dinheiro novo produz um aumento nos gastos e investimentos no curto prazo, que é seguido de crises, às vezes catastróficas, como mostra o caso do Japão. “A própria inflação creditícia prepara a cena para o colapso de crédito”, alerta Saifedean Ammous em O Padrão Fiduciário. Ele continua:
“De acordo com o simplista modelo econômico keynesiano, que domina a paisagem econômica intelectual dos altos escalões do governo e do mundo acadêmico, investimentos e gastos aumentados no curto prazo são sempre a solução para quaisquer que sejam os problemas econômicos. A melhora de curto prazo observada na economia advinda da expansão do crédito é tudo que importa para um político, já que o seu mandato é curto e as consequências de longo prazo serão enfrentadas somente pelos seus sucessores. Além disso, é fácil culpar bodes expiatórios no presente em vez de decisões obscuras sobre políticas de crédito tomadas no ado.“

Como explica Saifedean, “um aumento na quantidade de dinheiro circulando na economia é tão capaz de aumentar a quantidade de ativos produtivos na economia quanto um aumento no número de ingressos impressos é capaz de aumentar a quantidade de assentos realmente existentes em um estádio”.
Mas, se a origem da crise japonesa está no aumento da quantidade de dinheiro em circulação, como essa crise pode ser usada como um argumento contra a deflação?
A verdade é que o “consenso” de que a deflação é uma coisa ruim domina a discussão econômica, e se opor a ele é atividade de risco. Como diz Saifedean Ammous:
“Se opor à deflação e promover a inflação é a outra maneira garantida de fazer carreira na política e no meio acadêmico, pois é um posicionamento que encontra muitos apoiadores entre a comunidade de negócios e a população em geral.”
O trabalho dos propagandistas pró-inflação foi feito durante tanto tempo, e com tanta ênfase, que hoje é impossível para a população conceber um mundo onde os preços estão sempre sendo reduzidos e a moeda fica cada vez mais forte.
Mas é exatamente isso que acontece no mundo do Bitcoin. A valorização do Bitcoin tem sido fenomenal. O valor dessa moeda digital ou de quase zero para mais de US$ 100 mil em pouco mais de uma década. Isso significa que os preços de todos os produtos, expressos em Bitcoin, são cada vez menores.
Não há nenhum possuidor de Bitcoin que ache que isso é um problema.
Leia também “Excesso, exagero e erro: quando instituições tomam partido”
Atualmente o Desgoverno brasileiro está tentando mover a economia justamente pela expansão do crédito.
Mesma receita usada nos tempo de Dilma, hoje em uma velocidade muito maior e com resultados catastróficos.
Muito bom, Motta! Bastante esclarecedor. Estou revendo conceitos. Obrigado!
Tô com saudades da cédula de 200 reais
Ótimo artigo, Motta.