No país da piada pronta, conduzido com trágica comicidade por um presidente inimigo do vernáculo e uma primeira-dama especialista em gafes, tudo parece permitido quando se trata de falar besteira. Menos contar piada. Nesta semana, o comediante Leo Lins foi condenado a oito anos de prisão (cabe recurso), mais o pagamento de multa em torno de R$ 1,4 milhão e indenização de R$ 303 mil, por “danos morais coletivos” ao fazer aquilo que um humorista faz: contar piadas. A juíza federal Barbara de Lima Iseppi, da 3ª vara Criminal de São Paulo, atendeu ao pedido do Ministério Público Federal e puniu Lins pelo conteúdo do show Perturbador, stand-up que teve dezenas de apresentações em todo o país e alcançou 3 milhões de visualizações no YouTube até ser retirado do ar, também por decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, em maio de 2023. Ainda é possível encontrar o material, na íntegra ou em partes, em vários canais na plataforma.
As mudanças na Lei do Racismo, sancionada em 2023, além de equiparar injúria racial a racismo, considera agravante o fato de a eventual ofensa ocorrer em um ambiente de humor. Por mais estranho que pareça, é isto mesmo: fazer uma piada de cunho racial, de acordo com a lei, é mais grave do que cometer um ato explícito de racismo, agir com manifesta má intenção. Mas piora: a pena máxima para quem faz piada com “grupos minoritários” é maior do que a aplicada a ladrões, receptadores de mercadorias roubadas e, pasmem, sequestradores.
Lins, de 42 anos, é conhecido pelo humor ácido. Em 2022, foi demitido do SBT, no qual integrava o elenco do programa The Noite, apresentado por Danilo Gentili, depois de ter viralizado nas redes sociais o recorte de um vídeo no qual ele fazia piada sobre uma criança com hidrocefalia e, de quebra, citava o Teletom, maratona de arrecadação de fundos levada ao ar anualmente pela emissora em prol da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). Gentili tentou mantê-lo no elenco, mas não conseguiu.
Nesta quarta-feira, 4, o apresentador se manifestou sobre a decisão judicial divulgada no dia anterior. “No país em que o INSS é usado para fraudar velhinhos à força, a Justiça punir um comediante por contar piadas em um ambiente criado para isso soa como piada de mau gosto”, afirmou. “Piadas não fraudam o INSS. Piadas não estimulam golpes. Piadas não matam gente pobre de fome. Piadas não geram gente morrendo no hospital porque o dinheiro da saúde foi desviado. Piadas não geram intolerância, não geram preconceito. Piadas são apenas piadas.”
Na quinta-feira, 5, foi a vez de o próprio Leo Lins se manifestar em seu canal no YouTube. Em relação à condenação, o humorista disse que “vivemos uma época de cegueira racional, na qual são tomadas decisões emocionais”. Lins acredita que, no palco, interpreta um personagem, mas não foi esse o entendimento da juíza. Para ele, no entanto, o mais grave foi a afirmação de que, mesmo se fosse um personagem, ainda assim seria crime, e que a piada saiu do teatro, foi para o YouTube. Nesse caso, seria possível processar os atores de um filme pelos atos de seus personagens, pois os filmes saem dos cinemas e vão para as casas das pessoas. “A juíza determinou que piada incentiva o crime, o ódio e o preconceito. Provavelmente, então, essas pessoas envolvidas no desvio de bilhões do INSS, coitados, às vezes eles só ouviam muitas piadas de idoso, ou piadas de corrupção, e aí estavam rindo… Quando viram, roubaram. A culpa não é deles, é do riso.”
Processos e teatros lotados
Enquanto acumula processos e polêmicas, o comediante lota teatros pelo país — ainda que muitas prefeituras tentem impedir —, tem 2,8 milhões de seguidores no Instagram, 1,54 milhão de inscritos no YouTube e costuma atrair um público que inclui todas as minorias que a Justiça quer proteger de suas piadas. É comum cadeirantes e pessoas com alguma deficiência subirem ao palco ao final do show para participar de uma “fritada” na qual o humorista faz com eles o que um humorista costuma fazer: piadas.
As piadas de Leo Lins são pesadas? Sem dúvida. Lidam com temas sensíveis? Certamente. Podem ser classificadas como capacitistas, racistas, homofóbicas e afins? Sim, podem. Mas, no final das contas, são apenas piadas, contadas durante um show de piadas por um artista que ganha a vida contando piadas para quem pagou para ouvir piadas. A fama de Lins de pegar pesado é bem conhecida, ninguém vai ao show esperando outra coisa. O mesmo vale para quem assiste a seus vídeos ou o segue nas redes sociais.
Como o próprio costuma dizer, ele não falaria para alguém na rua, ao acaso, o que fala nos palcos para um público que escolheu estar ali. Certas coisas, ditas no cotidiano, fora do espetáculo, seriam de fato agressão, ofensa grave e crime. No palco, fazem parte de um espetáculo de comédia. Considerá-lo grosseiro, desrespeitoso, e suas piadas, estúpidas e sem graça é um direito de qualquer um. Mas dar risadas, divertir-se — mesmo que a piada diga respeito à própria condição — é igualmente um direito que qualquer brasileiro deveria ter. Quando pune o comediante, além de abrir um precedente perigoso em um momento em que a liberdade de expressão já sofre todo tipo de ameaça, por tabela a Justiça está condenando — mesmo que meramente no aspecto moral — as milhares de pessoas que riram das piadas proibidas.
Seriam todos condenados
Se fizessem humor nos dias de hoje, os grandes humoristas brasileiros muito provavelmente seriam condenados pela Justiça. Chico Anysio, por exemplo, interpretava personagem gay, negro, índio, idoso, sempre usando as mazelas de cada segmento como elemento cômico. Entre os mais de 200 tipos que criou ao longo de mais de seis décadas de carreira, figurava um que hoje seria considerado a suprema ousadia: Washington, um esquerdista caricatamente real. Dois participantes da Escolinha do Professor Raimundo, comandada por Chico, exploravam o universo gay: Seu Peru (Orlando Drummond) e Mazarito (Costinha), tendo sido este batizado em homenagem a Mazzaropi e Oscarito, dois ícones dos filmes de comédia. Seu Peru abusava das cores, das plumas e dos trejeitos, enquanto Mazarito contava sempre piadas envolvendo uma “bichinha”.
Jô Soares criou o Capitão Gay, cujo nome é autoexplicativo, e o Tavares, que sempre via sinais de homossexualidade nos filhos dos outros e não enxergava os do próprio filho. O personagem consagrou o bordão “tem pai que é cego”. Jô só não poderia, por razões óbvias, ser acusado de gordofobia.
Os Trapalhões, liderados por Renato Aragão, com frequência usavam o colega Mussum como escada, como se diz na comédia. O próprio brincava com o fato de ser “negãozis”. No Casseta & Planeta, piadas politicamente incorretas eram frequentes. Hélio de la Peña, o integrante negro do programa, fez o impagável quadro “Chocolate Cumprimenta” (trocadilho com o nome da novela Chocolate com Pimenta), até hoje com grande audiência no YouTube. Havia quadros como “o que fazer se seu filho for homossexual” ou a oferta do “Boiolômetro GLS Plus” pelas célebres Organizações Tabajara.
A propósito, De la Peña foi um dos tantos humoristas a se manifestarem a respeito do caso.
No humorístico Sai de Baixo, exibido pela Globo entre 1996 e 2002, o personagem Caco Antibes, interpretado por Miguel Falabella, roubava a cena. Com um “cala a boca, Magda!” ele encerrava as sessões de bobagens e coisas sem sentido ditas pela mulher (Marisa Orth). Além de mandar, aos gritos, uma mulher calar a boca, Caco ficou famoso pelo bordão “eu tenho horror a pobre”, com o qual concluía monólogos engraçadíssimos explorando “coisas de pobre”. Os pobres, diga-se, adoravam o personagem.
Os tempos são outros
“Os tempos são outros”, diriam, “e ainda bem”. Que preconceitos devem ser combatidos e condenados não se discute, tampouco que é inissível alguém sofrer discriminação de qualquer tipo. Mas uma piada é apenas uma piada. Quem se ofende, sente-se magoado, agredido ou prejudicado de alguma forma por uma piada dita em um show não deveria ir ao show. Se considera as piadas de determinado artista agressivas demais, preconceituosas, grosseiras ou — o pior que uma piada pode ser — sem graça, que não assista aos vídeos. O público tem capacidade suficiente para decidir livremente o que lhe convém ou não.
Nenhum artista sobrevive sem público. Se os teatros ficassem vazios, Leo Lins, ou qualquer outro, repensaria seu repertório. Como seguem lotados, é óbvio que muita gente gosta. O problema é querer determinar os limites do humor por via judicial e com base em critérios como a sensibilidade ou os conceitos pessoais de quem tem o poder de julgar o que pode e o que não pode ser dito. “O politicamente correto nunca foi sobre o que não se pode falar, e sim sobre quem não pode falar”, disse Gentili, muito citado nas redes sociais.
De fato, o que importa é quem diz. Fosse Lins um comediante engajado, desde que, claro, do lado considerado certo pela turma da lacração, a situação seria bem diferente. Mas ele é “apenas” um humorista. Nos últimos anos, fez piadas ocasionais com Lula e com Bolsonaro, por exemplo, mas o teor principal de seus shows é mesmo o politicamente incorreto. Por isso, aquela turma segue calada. Mas foram inúmeras as manifestações de quem vê os fatos como eles são, e até um pouco além, porque o precedente é muito perigoso.
O alcance de punições do gênero não pode ser menosprezado. Se um comediante é condenado a oito anos de prisão por contar piadas consideradas impróprias, qualquer outro comediante também pode ser, bem como um ator dramático, compositor, poeta ou qualquer um que utilize as palavras como matéria-prima, como produtores de conteúdo em geral e jornalistas. Considerar a sentença dada a Leo Lins fato de pouca importância seria não ver o tremendo potencial de censura que a decisão embute. Como lembrou Rogerio Morgado em sua manifestação no Instagram, regimes totalitários costumam começar a calar as opiniões discordantes a partir dos comediantes.
Coisas que só o inimputável pode falar
Mas, se anedotas com potencial de fazer pessoas ou grupos se sentirem ofendidos são vetadas a humoristas e ao público em geral, por que Lula pode seguir fazendo “piadas” com gays, mulheres, negros, deficientes e outras chamadas minorias? O petista pode dizer, por exemplo, que “Pelotas é uma cidade polo exportador de veados”, afirmar que as mulheres de seu partido “têm o grelo duro” ou transformar em anedota o preconceito contra um continente inteiro ao falar que a capital da Namíbia é “tão limpa e bonita, que nem parece a África”. No quesito racismo, pior foi o agradecimento aos africanos pelos serviços prestados durante a escravidão.
Algumas das incontáveis gafes de Lula são simples fruto de uma tremenda falta de noção. Outras, tentativas de fazer gracejos, mesmo à custa da humilhação de milhares de brasileiros, como dizer que “nenhuma mulher quer namorar um ajudante-geral”. Ou afirmar que, se o homem for corintiano, tudo bem bater em mulher. Por vezes as pérolas lulistas são um misto de machismo, falta de noção e ignorância pura: “Eu estive em 25 de janeiro de 2023 em Horishima [sic], lá eu encontro com uma muiezinha, sabe?”. A “muiezinha” em questão era Kristalina Georgieva, diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI).
O discurseiro desgovernado vai além de qualquer limite ao declarar que pessoas com transtornos mentais têm “problemas de desequilíbrio de parafuso”. É o tipo de coisa que Leo Lins não pode falar sem correr o risco de ir parar na prisão. Mas Lula pode. Como os bêbados e os loucos, é inimputável. Por isso conseguiu colecionar bobagens ao longo de uma trajetória em que seus neurônios só não fizeram feio quando comparados aos da companheira Dilma Rousseff, personificação da piada pronta. Se bem que o dilmês era apenas incompreensível, o que não é pouca coisa quando se trata de um ocupante do Palácio do Planalto. Já o lulês é chulo, preconceituoso, ignóbil. E isso, até o momento, não foi censurado.
Leia também “A caça aos censores”
Parabéns pela estreia Eliziário.
Até nisso os censores querem favorecer a ”Rede estatal Globo”. Lá voce pode assistir no globoplay casseta e planeta, sai de baixo…
Aos 79 anos, considero-me idoso para apreciar esse tipo de humor, todavia reconheço excelente o artigo de Eliziário Goulart e as ilustrações apresentadas que nos deram a oportunidade de conhecer o humorista Leo Lins que nunca assisti, em extraordinário homem comum e com notável saber.
Nojento os temas que ele usa para atrair as pessoas, não merece a cadeia e sim o hospício.
Nojento os temas que ele usa para atrair as pessoas, não merece a cadeia e sim o hospício.
Querido,
Seja muito bem-vindo a São Paulo e à Oeste.
Adorei o artigo.
Parabéns pelo excelente artigo. É a pimeira vez que leio o que você escreve. Você acaba de ganhar um leitor que promete ser fiel.
Infelizmente jornalistas não podem usar certas palavras nas suas matérias, ao o que leitores podem faze-lo dentro de limites que impeçam expressões de certas palavras como xxx53@&@*&, se é que me entendem.
No caso do Léo LIns, essa juizeca, verdadeira débil mental, militante da corja esquerdista que infesta o Brasil que presta, nada mais faz que buscar por holofotes, o que, convenhamos, conseguiu com pleno êxito.
Certamente o seu comportamento seria totalmente oposto se fosse julgar um desse canalhas que desfilam em Ferraris, Lamborghinis e outras marcas, relógios caríssimos e roupas de grife, que assaltaram os aposentados do INSS.