Eu sou do contra. Se todo mundo está indo para um lado, minha preferência é ir para o lado oposto. Minha opinião é quase sempre dissonante. Quando todos estão pessimistas, dizendo que o mundo vai acabar amanhã, sou otimista. Quando todos estão alegres — quase histéricos — dizendo que nossos problemas finalmente acabaram, sou o cético. O idioma inglês tem uma palavra maravilhosa para me definir: como um de meus ídolos, o jornalista inglês Christopher Hitchens, sou um contrarian.
Quando escuto dizer que o Brasil não tem chance de dar certo eu discordo. Primeiro, seria preciso definir o significado de “dar certo”. Para alguns, o modelo a ser imitado é o estado de bem-estar social dos países europeus. Para outros, o modelo é o capitalismo de (quase) livre mercado dos Estados Unidos. Se são esses os modelos, então sou obrigado a concordar: não acredito que o Brasil tenha qualquer possibilidade de adotar um desses sistemas.
O modelo europeu está esgotado. A ideia social-democrata de um Estado gigante e benigno, que carrega os cidadãos em seus braços do berço até a cova, está falida. A principal razão é a falta de dinheiro. Todos os países europeus têm dívidas públicas impagáveis, resultado dos gastos necessários para ofertar tantos benefícios aos cidadãos. A queda na taxa de natalidade garante que os sistemas de aposentadoria entrarão em colapso em breve — não haverá mais trabalhadores suficientes para custear, com suas contribuições, os benefícios dos que dependerão do Estado. A terceira causa da falência do modelo europeu — que ainda não se aplica ao Brasil, graças a Deus — é a decisão de receber imigrantes que chegam à Europa, vindos de sociedades atrasadas, sem qualquer intenção de se adaptar à cultura europeia.
O Brasil não se tornará um país parecido com os Estados Unidos. Como já expliquei no meu artigo “Juristas, soldados e pilantras” (Edição 270), o processo de criação da nação americana foi radicalmente diferente do processo brasileiro. Não há qualquer chance de nos tornarmos uma república verdadeiramente federativa, guiada por uma constituição minimalista e por um espírito de respeito aos direitos fundamentais, como aconteceu nos Estados Unidos. Esse navio já partiu faz tempo.
Essas constatações não devem ser motivo de desespero. Se o Brasil jamais será parecido com a Europa ou os Estados Unidos, ainda assim podemos ser um país melhor do que somos hoje. Nosso esforço não deve ser direcionado para imitar modelos estrangeiros, que são o resultado de histórias e contextos sociais inexistentes aqui. O que nos resta é trabalhar para ser o melhor Brasil que podemos ser. Não me pergunte como.

A percepção de que estamos em um patamar inferior àquele que podemos alcançar não é só minha. Ela tem afligido um número incontável de brasileiros. Não é à toa que já tivemos dezenas de golpes de Estado, revoluções, revoltas e movimentos armados. Foram as reações de brasileiros inconformados que produziram as sete constituições que já tivemos. Cada uma dessas constituições é uma tentativa de refundar o Brasil. Se há alguma lição a ser aprendida nas sete tentativas é que nosso problema não será resolvido por regras jurídicas. Para que o Brasil se torne o melhor Brasil possível precisamos reconhecer nossas capacidades e limitações como elas se expressam em nossos costumes, hábitos e tradições. É o que o sociólogo holandês Geert Hofstede chama de cultura — o software que roda em nossa mente. Não há alternativa a não ser trabalhar dentro dessa cultura.
A cultura brasileira é patrimonialista. Nos Estados Unidos, quando alguém assume uma função pública, a pessoa faz o juramento do cargo (“to be sworn in“). No Brasil, ela toma posse do cargo. Nunca mudaremos isso. É uma ilusão acharmos que, se fizermos o dever de casa, se escolhermos bem os candidatos, se votarmos “com consciência”, na próxima eleição escolheremos melhores representantes. Desculpem-me ser do contra, mas isso jamais acontecerá porque a matéria-prima a partir da qual se fazem nossos políticos não mudará, ou só mudará muito lentamente. A alternativa que nos resta é reduzir o tamanho do Estado e a parcela de riqueza que ele controla para que, pelo menos, o prejuízo causado pelos políticos seja menor e a liberdade dos cidadãos seja a maior possível. Esse é o Brasil que podemos criar.
Encarar essa verdade não significa resignação ou imersão em um poço de amargura. Trata-se apenas de tirar os óculos cor-de-rosa e enxergar a realidade como ela é. Fazendo isso entenderemos o que é possível e poderemos escolher caminhos que efetivamente produzam resultados, e que não sejam apenas um caldo ralo de falsa esperança, uma panaceia tola que nos é servida pela propaganda eleitoral ou por editoriais da grande mídia.

Precisamos parar de nos iludir. É evidente que se o Estado brasileiro realmente quisesse combater a corrupção ele teria instrumentos para isso. O principal é o endurecimento da legislação. O primeiro político que fosse condenado a 20 anos de cadeia em regime fechado certamente produziria uma redução fenomenal no número de escândalos envolvendo dinheiro público. Mas o Estado brasileiro não toma, e jamais tomará, uma medida assim.
Mas outros caminhos são possíveis. Meu amigo Cadu me disse, enquanto conversávamos em uma festa, uma frase que escuto com frequência: “O Brasil nunca vai dar certo”. Eu respondi: claro que vai, basta querermos. Cadu então mencionou o tiroteio que acontecera no sábado de manhã em uma comunidade localizada em um dos melhores bairros da zona sul. O tiroteio interrompeu as aulas da escola de seus filhos. “O problema da criminalidade não tem mais solução”, disse Cadu, que é advogado e conhece bem a lei e aJustiça.
“É claro que tem”, eu disse. “Retirem a ideologia da lei e acabem com o ativismo judicial e eu garanto que a crise de criminalidade terminará em seis meses.”
Basta um pouco de reflexão para perceber que os problemas que nos tiram o sossego e a possibilidade de uma vida melhor são causados pelos próprios brasileiros. Nossa vida difícil não é o resultado de vulcões, terremotos, furacões, guerras, revoluções, terrorismo ou qualquer outro fator externo. Com pouquíssimas exceções — o tráfico de drogas é uma delas —, as pragas que infestam o Brasil são produzidas em território nacional por brasileiros.
Se jamais seremos um país europeu ou os Estados Unidos da América do Sul, ainda assim há caminhos para nos tornarmos uma versão muito melhor de nós mesmos. Este deve ser nosso objetivo: descobrir nosso próprio modelo e fazer do Brasil o melhor país que o Brasil pode ser.
Só não me pergunte como.

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