— Bom dia a todos. Vamos dar início ao interrogatório do réu Jair Messias Bolsonaro. Gostaria de chamá-lo com seus advogados e lembrar que, se o réu quiser, pode optar pelo silêncio para não se incriminar. A primeira pergunta é se o réu tem consciência do crime que lhe está sendo imputado.
— Tenho, sim, vossa excelência. Na falta de crimes verdadeiros, um crime inventado de uma suposta tentativa de golpe de Estado que jamais ocorreu. E gostaria de dizer, antes de mais nada, que não considero esta Corte legítima para me julgar, dado seu grau de politização e viés partidário.
— Então o senhor diz que a acusação é falsa. Tem algum motivo particular para atribuir essa acusação na denúncia da PGR?
— Claro. Meu governo, honesto, incomodou bastante o sistema podre e carcomido, que fez de tudo para me perseguir e me tirar da política. Até mesmo recolocar o ladrão na cena do crime, como diria seu próprio vice, foi feito, no desespero de me afastar.
— Vamos às perguntas específicas. Vou fazê-las em ordem cronológica, começando pela reunião ministerial do dia 5 de julho de 2022. O senhor participou da construção da narrativa para deslegitimar as urnas eletrônicas e o processo eleitoral, acusando que havia fraude nas urnas?

— Só numa ditadura é crime questionar o processo eleitoral. Só na ditadura se confunde crítica com ataque. Aliás, vários políticos de esquerda também já “atacaram” as urnas, como Brizola, Ciro Gomes, Carlos Lupi, Flávio Dino e o próprio Lula. Se vossa excelência ler na íntegra o que foi dito por mim nessa reunião, verá que não há uma sugestão de ilegalidade, mas, sim, a constatação de que corríamos o risco de perder sem ter como fazer auditoria. O PSDB tentou em 2014, quando Aécio perdeu para Dilma de forma suspeita, e contratou uma auditoria internacional que concluiu ser impossível auditar nossas urnas. Países bem mais ricos e desenvolvidos rejeitam nosso processo justamente por ser opaco e com pouca transparência. No Paraguai e até na Venezuela há voto impresso. Essa é uma bandeira minha há anos! Chegamos a aprovar um projeto de lei que foi derrubado pelo Supremo. Depois fomos votar uma PEC, mas o próprio Barroso interferiu e se gabou de ter enterrado a “PEC do atraso”. O mesmo Barroso que se vangloriou, num convescote de comunistas da UNE, de ter derrotado o bolsonarismo.
— Gostaria de lembrar o ex-presidente do seu direito ao silêncio. Outro aspecto importante é o esforço de tirar a legitimidade do TSE.
— O mesmo TSE que chegou a proibir canais de televisão e jornais centenários de associar Lula a ditadores comunistas? O TSE presidido pelo ministro Barroso, que chegou a dizer, em Nova York, ao lado de Tabata Amaral, que eles representavam a democracia e a civilização e que derrotariam a barbárie e o autoritarismo? O TSE que impediu a Jovem Pan de chamar Lula de ladrão, mas sempre tolerou quem me chamasse até de nazista ou genocida? O TSE que me impediu de fazer live do Palácio do Alvorada, de usar imagens do Sete de Setembro ou do meu adversário com o boné do X? Tirar a legitimidade desse TSE? Vossa excelência acha mesmo que era preciso dar a minha ajuda, que o povo é trouxa a esse ponto?
— Vamos avançar para outra reunião, aquela com embaixadores. O senhor falou de invasão hacker do sistema eleitoral e deu a entender que pode haver manipulação do resultado.
— Vossa excelência, não retiro uma palavra do que disse e tampouco vou pedir desculpas pelo meu tom, minha forma ou minha retórica. Tenho o respaldo dos fatos. Quanto a esta reunião, foi o senhor Fachin quem antes se reuniu com os embaixadores para afirmar que os países deveriam reconhecer o resultado eleitoral imediatamente. É prerrogativa do presidente convocar para reunião embaixadores, e dentro do meu direito achei adequado apresentar-lhes uma visão alternativa. Até a Associação Federal dos Peritos está ao meu lado. Mencionei o inquérito sobre a invasão hacker e que, depois de torná-la pública, o senhor a colocou sob sigilo e ainda abriu um inquérito contra mim por vazamento, sendo que ela não era sigilosa antes. Como cidadão brasileiro, pretendo sempre exercer meu direito constitucional de questionar as urnas e de sugerir melhorias para maior transparência do processo. Agora, sejamos francos, ministro: o que essa lenga-lenga toda das urnas tem a ver com a suposta tentativa de golpe? Tudo que a denúncia da PGR tem é uma narrativa e uma colaboração do meu ex-assistente de ordens que repete “não lembro” e “não sei” mais do que qualquer coisa. Não há qualquer minuta, qualquer indício, apenas reuniões tratando das possibilidades constitucionais para reagir a essa politicagem do TSE/STF. O que há de elo com o 8 de janeiro, em que não havia qualquer hierarquia de comando ou armas? Como eu poderia armar um golpe entregando os comandos das Forças Armadas antes do prazo para meu sucessor e indo para os Estados Unidos? Cheguei a gravar vídeo rejeitando qualquer ato violento do nosso lado, pois não somos como a esquerda, mas o senhor indeferiu pedido para mostrá-lo aqui. Tudo não a de uma farsa política cujo veredito está pronto. Não tenho a pretensão de mudar vossa opinião ou que este tribunal de exceção faça mesmo justiça. Não falo, portanto, para o senhor, mas para a posteridade. A história e Deus que vão me julgar. Se houvesse clima para piada aqui, eu até convidaria o senhor para ser meu vice na chapa de 2026, para lembrar que o senhor é antes de tudo um agente político, e porque o lado que receber seu apoio terá alta chance de vitória, não por atrair voto popular, que fique claro. Mas não há clima para brincadeira quando lembramos que Clezão morreu como preso político, que ainda são dezenas de órfãos de pais vivos, de inocentes presos, jornalistas censurados. Por mim, podemos encerrar este circo. Daqui para a frente vou optar pelo silêncio, como fez o general Heleno, não por covardia, mas justamente por não aceitar participar de um engodo, um jogo de cartas marcadas. Chega de palhaçada, pois estamos só perdendo tempo aqui. Se quiser me prender, que o faça logo. E depois aguente a Lei Magnitsky contra o senhor e alguns cúmplices, pois o mundo voltou a ter um xerife contra tiranos que abusam dos direitos humanos.

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Pois é, Constantino, se Bolsonaro fosse o presidente americano tudo seria bem diferente. Tudo também seria bem diferente se: (1) o nosso STF fosse a Suprema Corte dos EUA; (2) se o nosso congresso fosse o congresso dos EUA; (3) se a nossa Procuradoria Geral fosse a Procuradoria Geral dos EUA; (4) se a nossa Constituição fosse respeitada como a Constituição dos EUA, etc. Então, por que focar só o comportamento do Bolsonaro??
Parabéns Constantino seus textos sempre perfeitos. O Bolsonaro que deveria existir para 2026……
Parabéns! Este Bolsonaro hipotético talvez me animasse a ser BOLSONARISTA. O Bolsonaro real praticamente arranca meu voto na marra, muitas vezes envergonhado e por total falta de opção…
Esqueceu de que estamos no Brasil onde a justiça morreu há muito tempo…
perfeito, tbem acho que deveria ter sido nesse tom…Esses tiranos não vão recuar 1 milimetro sequer do que já está planejado. Então cordialidade e brincadeiras só dão a impressão de que toda essa mentira possa virar uma “verdade” e que os “caras” que estão lá interrogando até são “humanos”.
Perfeito, Constantino, perfeito demais!!!